Selecione dez mulçumanos fiéis ao acaso e pergunte a cada um deles: "Se no alcorão, você encontrasse uma contradição, você continuaria acreditando nele, ou começaria a desconfiar?" Faça o mesmo com dez judeus, pergunte: "Se você descobrisse uma contradição na bíblia, você continuaria acreditando nela, ou começaria a duvidar do que ela diz?". Eu fiz essa experiência com cristãos e aposto que os resultados que você iria obter seriam bem semelhantes aos que eu obtive.
Eu criei uma enquete em uma comunidade do Orkut chamada "Eu sou cristão" (que atualmente tem cerca de 100.000 membros) com a seguinte pergunta:
Se você encontrasse uma contradição na bíblia...
A regra de fé de um cristão é a bíblia. Se a bíblia disser que algo é vermelho, então algo é vermelho; se ela disser que algo é azul, então algo é azul. Mas se você encontrasse uma contradição na bíblia (por exemplo, se ela dissesse que algo tivesse que ser totalmente azul e totalmente vermelho ao mesmo tempo), como você reagiria? OBS.: Não interessa se isso não pode acontecer, porque a bíblia é a palavra de Deus, etc. APENAS SUPONHA.
- Isso não abalaria a minha fé.
- Eu passaria a desconfiar da bíblia.
- Não faço idéia.
Observe que a minha pergunta não foi "Se você encontrar uma provável contradição..."; eu disse: "Se você encontrar uma contradição...". Além disso, todas as respostas possíveis estão inclusas nas alternativas que eu propus. Se a pessoa não está segura o suficiente para dizer o que faria naquela situação, pode marcar a alternativa 3 (independentemente de a hipótese ser possível ou não); se ela acha que sabe o que faria, então só há duas opções: ou continuaria acreditando normalmente na bíblia (alternativa nº 1) ou começaria a desconfiar da bíblia (alternativa nº 2). Assim, não há o que reclamar quanto a elaboração da pergunta.
Um dia depois de eu ter criado a enquete, ela foi deletada por suspeita de que eu fosse "um cético querendo atacá-los". Recorri aos mediadores daquela comunidade, expliquei minhas intenções e eles me permitiram recriar a enquete. Em um mês de votação, 121 pessoas (fora eu) votaram e o resultado foi o seguinte:
- Isso não abalaria a minha fé: 73%
- Eu passaria a desconfiar da bíblia: 06%
- Não faço idéia: 21%
Durante esse mês de votação, algumas pessoas comentavam, explicavam o motivo de seus votos e era interessante observar o que cada um dizia. O principal argumento usado pelos que marcaram a alternativa 1 era que a bíblia não pode se contradizer, "porque Deus é o mesmo, ontem, hoje e sempre e a sua palavra não falha" (amém). Esse tipo de argumento foge totalmente à pergunta. Eu não perguntei se era possível ou impossível haver contradição na bíblia e isso nada tem a ver com a enquete.
Uma das primeiras pessoas a comentarem disse que "para o verdadeiro cristão não há contradição nem dúvidas", e com isso tentou justificar o seu voto, na opção 1. Ela não enxergou a parte da pergunta que diz: "Não interessa se isso não pode acontecer...". Outra pessoa disse, mais tarde: "Creio que seria impossível que a bíblia entrasse em contradição! Mesmo em suposição". Note como é oprimido - diria, completamente desfalecido - o estado de espírito dessa última. Dizer que algo não pode acontecer mesmo "em suposição" é dizer que que se isso acontecesse, então isso não aconteceria, ou seja: "Se houvessem contradições na bíblia, então não haveriam contradições na bíblia" - um absurdo.
O resultado dessa enquete parece comprovar o que já era esperado: fé e razão não se dão muito bem uma com a outra. Os religiosos, em geral, não param para pensar se estão certos ou errados quanto ao que crêem, e acham que é assim que devem viver: acreditando, nunca questionando. Para essas pessoas, a fé inabalável é um privilégio, uma benção, um dom precioso. Até que poderia ser, se todos que crêem, cressem somente no que é verdade, o que, de fato, não acontece.
A verdade deve ser buscada por meio de incessantes investigações objetivas e imparciais, não por simples palpites desprovidos de evidências e de razão. Não questionar é pedir para errar.